Baltimore... Não foi a cidade que escolhi — foi ela que me acolheu quando ninguém mais o faria.
Depois que deixei o Japão e o mundo que conhecia, precisava de um lugar longe, onde meu passado não tivesse nome. Baltimore tem esse tipo de sombra. É um lugar onde ninguém faz muitas perguntas, onde as ruas escondem mais segredos do que pessoas, e onde a linha entre o natural e o sobrenatural já foi cruzada tantas vezes que ninguém mais se importa. Aqui, entre os becos molhados de chuva e o ronco dos motores, encontrei espaço para recomeçar... ou pelo menos fingir que consegui.
Moro nos fundos de uma oficina de motos, em uma área esquecida da cidade. É um apartamento pequeno, teto baixo, tijolos à mostra. As paredes têm cheiro de graxa e ferrugem, e o barulho constante das ferramentas virou trilha sonora dos meus dias. O sofá é velho, a cama é dura, mas é mais do que mereço. O espelho do banheiro está rachado — não foi acidente.
Minhas coisas são poucas: algumas fotos antigas, uma katana embrulhada em pano grosso escondida no fundo do armário, e um pequeno altar para os espíritos, onde ainda rezo, às vezes, por almas que ninguém mais lembra. Não estou aqui pelo conforto. Estou aqui porque a cidade sangra — e onde há sangue, há dívida. E eu ainda tenho muitas para pagar.
Baltimore me lembra que há monstros demais à solta... e que alguns deles ainda usam gravata.
Dinheiro? Ele ainda vem sujo, como antes — mas agora sujo de graxa, não de sangue.
Trabalho como mecânico na oficina do velho Curtis. Ele não pergunta de onde vim, e eu não pergunto por que ele anda mancando desde o verão passado. Conserto motos, às vezes carros, e quando sobra tempo, faço upgrades sob encomenda: turbinas ilegais, modificações elétricas, placas que ninguém rastreia. A clientela varia entre motoqueiros, entregadores noturnos e alguns rostos que não querem ser lembrados. É trabalho honesto o suficiente pra manter a cabeça baixa… e as portas abertas.
Mas isso é só metade da história.
Às vezes, alguém bate à porta nos fundos, com olhos baixos e promessas sussurradas. Gente que perdeu alguém, gente que a polícia não ajudou, ou que tem medo demais pra falar com a justiça. Quando aceito, não cobro dinheiro — cobro silêncio, nomes, e a verdade. E às vezes... a verdade me paga melhor do que qualquer salário.
Gasto o pouco que tenho no necessário: comida simples, peças de reposição, munição, e vodca barata pra esquecer quando não consigo dormir. Também mando uma parte todo mês pra um templo em Kyoto. É a única dívida que pago com gosto — mesmo que ninguém lá saiba de onde o dinheiro vem.
Não preciso de luxo. Preciso de propósito. E propósito, neste mundo, cobra caro.
Quero justiça — da que a lei não entrega.
Minha ambição é simples: caçar os monstros que vivem entre nós, vestidos de terno, cobertos por sistema e corrupção.
Se a justiça exige sangue, que seja o deles, não de inocentes.
Sim, eu mataria por isso. Já matei.
E chegaria até o próprio inferno, se fosse o preço.
Já estive à beira da morte mais de uma vez… e voltaria lá sorrindo, se isso significasse cumprir meu pacto.